Autor:
Pedro Henrique Costa Gomes
Instituto de Defesa Cibernética
Resumo:
A crescente digitalização das plantas industriais, impulsionada por iniciativas de Indústria 4.0, tem aumentado a superfície de ataque em ambientes de Tecnologia Operacional (OT), exigindo abordagens inovadoras de Cibersegurança. Este artigo propõe o uso de estratégias de Wargame como uma metodologia robusta para avaliação e fortalecimento da postura defensiva em sistemas industriais. Discutem-se os benefícios dessa abordagem, os desafios específicos do contexto OT, incluindo a adoção de novos protocolos como o Ethernet-APL e a importância de implementar uma arquitetura de proteção em profundidade. A pesquisa reforça a necessidade de investimentos contínuos e capacitação especializada para acompanhar a sofisticação crescente das ameaças cibernéticas.
Índice:
- Introdução. 2
- Fundamentos do Wargame em Cibersegurança Industrial 2
- A Complexidade da Segurança em OT: Novos e Velhos Desafios. 2
- Proteção em Profundidade: Pilar da Cibersegurança Industrial 3
- Framework de Wargame Adaptado ao Contexto OT.. 3
- Benefícios Estratégicos da Adoção de Wargames. 4
- Investimento Necessário e Retorno Esperado. 4
- Conclusão. 4
- Referências. 4
A integração entre Tecnologia da Informação (TI) e Tecnologia Operacional (OT) é uma realidade inevitável nas plantas industriais modernas. Com a conectividade ampliada e o uso crescente de sensores e atuadores inteligentes, o ambiente OT passa a estar exposto a vetores de ataque antes restritos ao mundo da TI. Nesse novo cenário, a Cibersegurança deixa de ser apenas uma responsabilidade da equipe de TI e passa a ser uma preocupação estratégica do negócio.
Wargames, originalmente utilizados como ferramentas de simulação militar, vêm sendo adaptados com sucesso ao contexto corporativo e de Cibersegurança. Em ambientes OT, sua adoção é ainda mais crítica, pois permite antever falhas operacionais e testar, de forma segura, a prontidão da organização frente a ataques cibernéticos de alto impacto.
Um Wargame é uma simulação estruturada que envolve atores com objetivos conflitantes (como Red Team e Blue Team), projetada para explorar a resiliência de sistemas e a eficácia dos processos de resposta a incidentes. Quando aplicado à Cibersegurança industrial, o Wargame deve considerar variáveis operacionais como latência de rede, impacto físico, tempo de resposta e falhas sistêmicas em cascata.
A eficácia da estratégia reside na possibilidade de experimentar cenários adversos de maneira controlada, promovendo não apenas o aprendizado técnico, mas também o desenvolvimento de competências de liderança, comunicação e decisão sob pressão.
3.1 Ambientes Legados
Muitos sistemas industriais operam com tecnologias legadas, cujos fabricantes não fornecem atualizações de segurança, ou que operam sob sistemas operacionais descontinuados. Isso cria um cenário onde medidas básicas, como aplicação de patches ou segmentação lógica, tornam-se um desafio.
3.2 A Nova Fronteira: Protocolos como Ethernet-APL
O advento do Ethernet Advanced Physical Layer (APL) representa uma revolução na instrumentação industrial. Ele leva a conectividade Ethernet diretamente aos dispositivos de campo, permitindo comunicação IP em sensores e atuadores tradicionalmente isolados. Isso traz ganhos de velocidade, monitoramento e integração, mas também amplia a exposição a ciberameaças.
Com o APL, cada instrumento pode tornar-se um ponto de entrada para um ataque, exigindo monitoramento, autenticação, segmentação e resposta automatizada. A infraestrutura OT torna-se, na prática, uma grande rede IP com requisitos rigorosos de confiabilidade e tempo real.
A abordagem de defesa em profundidade (Defense-in-Depth) é essencial no contexto OT moderno. Isso significa adotar múltiplas camadas de proteção, que incluem:
- Segmentação de redes (zoneamento e conduíte);
- Autenticação multifator para acessos remotos e operadores;
- Firewalls industriais com controle de protocolo específico (DPI para Modbus, OPC-UA, etc.);
- Sistemas de detecção de intrusão (IDS) específicos para OT;
- Monitoramento contínuo e análise comportamental;
- Treinamento constante das equipes técnicas e operacionais.
O Wargame, neste contexto, é uma ferramenta integradora. Ele permite testar todas essas camadas sob cenários de estresse, revelando pontos de falha e reforçando a colaboração entre TI, OT e gestão.
A seguir, apresenta-se uma proposta de framework para implementação de Wargames em ambientes industriais:
- Planejamento Estratégico
- Alinhamento com a liderança executiva e definição de objetivos claros.
- Identificação de ativos críticos e processos sensíveis.
- Modelagem de Cenários
- Baseados em ameaças reais e específicas do setor (ex: ataque a PLCs, manipulação de receitas de produção, malware em IHM, ataque DoS à um SCADA).
- Execução Controlada
- Simulação com controle de escopo, uso de ambientes replicados ou segmentados.
- Envolvimento de Red Team, Blue Team e White Team (observadores, moderadores, documentadores).
- Análise Pós-Jogo (After Action Review)
- Relatório detalhado com gaps técnicos e operacionais.
- Plano de remediação com prazos e responsáveis.
- Iteração e Melhoria Contínua
- Incorporar os aprendizados ao plano de segurança e repetir o exercício periodicamente.
- Preparo realista para incidentes: Respostas são testadas sob condições próximas da realidade, aumentando a eficácia da atuação real.
- Integração multidisciplinar: Estimula o trabalho conjunto entre Operações, Segurança, Engenharia e Gestão.
- Tomada de decisão baseada em evidências: Gera indicadores concretos para justificar investimentos em segurança.
- Cultura organizacional voltada à resiliência: Promove conscientização e responsabilidade em todos os níveis.
Implementar exercícios de Wargame requer investimento em tempo, pessoal e infraestrutura de simulação – Pessoas / Processos / Tecnologias. Porém, os custos de um incidente cibernético em uma planta industrial podem ser devastadores, não apenas financeiramente, mas também em termos de reputação e segurança operacional.
O retorno sobre esse investimento traduz-se em:
- Redução do tempo de resposta a incidentes;
- Menor impacto operacional em caso de ataque;
- Cumprimento de normas e requisitos regulatórios;
- Justificativa concreta para orçamentos de segurança OT.
A aplicação de estratégias de Wargame em ambientes OT é uma medida essencial na era da digitalização industrial. Frente à crescente complexidade trazida por tecnologias como o Ethernet-APL e à permanência de sistemas legados vulneráveis – infelizmente uma realidade na maioria das corporações, apenas uma abordagem estruturada, proativa e integradora será capaz de proteger efetivamente ativos críticos.
Wargames não devem ser vistos como um luxo, mas como uma necessidade estratégica. Seu uso contínuo permite não apenas melhorar a maturidade de segurança, mas também antecipar desafios, alinhar equipes e reforçar a cultura organizacional voltada à resiliência cibernética.
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